Perspectiva
Um blogue sobre fotografia, por Luís Afonso

The Creation, Ernst Haas (1971)

A Criação, Ernst Haas


Nota prévia: É devido um agradecimento especial ao fotógrafo e jornalista Alexandre Vaz que me fez descobrir esta obra. Como habitualmente, as conversas entre nós estão replectas de coincidências felizes. Um abraço!

Ersnt Haas, um dos pioneiros da fotografia a cores e nome de referência na história da fotografia, nasceu em Viena, nos idos de março de 1921. A sua origem Judaica impediu-o de perseguir uma carreira na medicina, voltando-se para fotografia como forma de exprimir a sua intensa veia artística. Uma das suas reportagens iniciais para a revista Heute, sobre prisioneiros de guerra que regressavam a casa, captou a atenção de duas entidades que concorreram pela sua visão empática e impregnada de uma sensibilidade genuína e humana. No final, Robert Capa e os seus pares da Magnum levaram a melhor sobre o editor da Life, a revista de fotografia mais importante da época. “Há dois tipos de fotógrafos: os que tiram fotografias para revistas para ganhar algum e os outros que ganham em tirar as fotografias que lhes interessam”. Nas palavras de Haas, escritas na carta de resposta ao editor Wilson Hicks, ele fazia parte do segundo grupo.

1961, Ernst Haas, The Creation

1961, Ernst Haas, The Creation

Com um forte desejo de esquecer as amarguras da guerra, deixa a Europa para se fixar em Nova Iorque em 1951. Inspirado pelo pulsar da cidade, decide que é tempo de abandonar o cinzento dos dias para abraçar a vida a cores. É dos primeiros a experimentar a magia do filme Kodachrome, tal como é dos primeiros a ser publicado na revista Life num ensaio fotográfico a cores de 24 páginas. Um ensaio que iria marcar um ponto de viragem na história da fotografia, ajudando a estabelecer a fotografia a cores como forma artística e a popularizar o abstracionismo como um estilo fotográfico. Em 1962, uma retrospectiva do seu trabalho toma corpo como a primeira exposição de fotografia a cores a ter lugar no MoMA de Nova Iorque.

USA 1970, Ernst Haas, The Creation

USA 1970, Ernst Haas, The Creation

Proveniente de uma família onde a arte e a cultura faziam parte do dia-a-dia (a mãe escrevia poesia, o pai era fotógrafo e melómano), bebia inspiração para a sua fotografia em tudo o que rodeava, fosse na música, literatura, pintura ou nas próprias pessoas. Quem o conhecia, gabava-lhe a simpatia e a genuinidade. As pessoas sentiam-se bem à sua volta… “Um homem bem-educado, sem ponta de cinismo, apaixonado pelo trabalho à sua volta”, reflecte Jay Maisel, um dos fotógrafos americanos mais respeitados das últimas décadas.

Drops in Coral 1963, Ernst Haas, The Creation

Drops in Coral 1963, Ernst Haas, The Creation

Em 1964, John Huston contrata-o para realizar a sequência da Criação do seu clássico “A Bíblia”. Inspirado neste tema, Haas que já fotografava temas naturais há cerca de sete anos, decidiu estender esse trabalho por mais seis até estar preparado para entregar as impressões que iriam figurar nas páginas de um dos livros de fotografia mais vendidos de sempre: “A Criação”.

Folhear este livro, o seu primeiro, em especial na sua edição original de 1971, é uma experiência profundamente espiritual. Se há origem para o termo “poesia visual”, bem pode ter sido cunhado na descoberta das 159 páginas que constituem esta obra-prima da fotografia.

1961, Ernst Haas, The Creation

1961, Ernst Haas, The Creation

Haas disse um dia que “o artista deve expressar a soma do seu sentimento, conhecimento e crer através da unidade da sua vida e obra. Não se pode fotografar a arte. Só se pode vivê-la na unidade da sua visão, bem como na amplitude da sua humanidade, vitalidade e compreensão”. Isto resume de forma perfeita a amálgama de emoções, de vivências, de memórias que se experimentam ao pousar os olhos e a alma em cada uma das fotografias deste livro. Na intimidade da criação de Haas viajamos pelos sonhos mais profundos da nossa própria existência e olhamos para o mundo com um sentido de admiração, de beleza e de amor. Como se cada uma daquelas imagens soltasse um perfume diferente e nos transportasse para um lugar que só nós conhecemos; o lugar onde tudo começou.

1964, Ernst Haas, The Creation

1964, Ernst Haas, The Creation

O livro está dividido em três secções, seguindo o Livro do Génesis: os Elementos, as Estações e as Criaturas. As 106 fotografias presentes mostram a visão de Haas sobre este planeta em que vivemos, por vezes espectacular e grandioso, mas na maior parte das vezes íntimo e abstracto. Das florestas aos animais, das montanhas à pequenos gotas de água, a sua técnica de exposição longa, a paixão pela luz e pelas sombras, aliadas a uma percepção da cor verdadeiramente singular, cria uma interpretação verdadeiramente única, sem paralelo na história da fotografia e, em especial, na fotografia de natureza. Tida como uma obra de referência para fotógrafos de eleição como Frans Lanting, este livro vendeu já mais de 350.000 cópias em todo o mundo.

Galapagos 1969, Ernst Haas, The Creation

Galapagos 1969, Ernst Haas, The Creation

Não há muito que eu possa dizer que tenha mais impacto do que ter o livro na mão. Neste momento, só está disponível no mercado de usados, mas não deixem que isso vos impeça de o procurar. E nem precisam de me agradecer depois. Obrigatório!

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