Perspectiva
Um blogue sobre fotografia, por Luís Afonso

Landscape Within, David Ward

Landscape Within, David Ward


Parece-me que o coração da fotografia tem, talvez paradoxalmente, muito pouco a ver com câmaras e tecnologia.David Ward

Apaixonam-me pouco os livros puramente técnicos. Por outro lado, ensaios que pretendam deixar o leitor a pensar, constituem, para mim, portos de abrigo e jardins de revelações aos quais gosto de voltar vezes sem conta. É o caso de “Landscape Within”, de David Ward, editado em 2004 pela Argentum. Já o li umas três ou quatro vezes e esta conversa convosco é apenas um pretexto para o voltar a reler.

Ward é um dos meus fotógrafos favoritos. Não só pela sua fotografia que tem um estilo muito próprio, ainda que a espaços navegue lado a lado com os seus contemporâneos britânicos, tais como Joe Cornish ou Colin Prior, mas também pelas suas ideias e a forma como inteligentemente as coloca em palavras. Posto isto, é fácil adivinhar que este livro não é um manual de introdução à fotografia, nem sequer de fotografia de paisagem natural. Também não é um livro cheio de dicas para ensinar a tornar as nossas fotografias nas melhores do mundo, livros que estão agora muito na moda nas cabeças dos editores e nas prateleiras das distribuidoras. Não, este não é um daqueles livros práticos que lemos uma vez e descobrimos que de verdadeiramente práticos têm muito pouco, pela simples razão que hoje em dia ninguém anda com livros debaixo do braço quando sai para fotografar… Este é assumidamente um livro de “porquê” e não um livro de “como”.

Ao longo de pouco mais de uma centena de páginas, Ward não só nos presenteia com algumas das suas mais belas imagens, como levanta questões que devem preocupar qualquer fotografo que, após dominar mais ou menos bem a técnica, chega a uma fase da sua vida em que precisa de direções, de fazer escolhas e, principalmente, de ser colocado cara-a-cara com a pergunta “o que é que queres que a tua fotografia seja”. Os que de nós levam esta paixão um pouco mais a sério são necessariamente uns eternos insatisfeitos. As fotos nunca estão boas, nunca sabemos como os outros as conseguem fazer, nunca estamos satisfeitos com o resultado das nossas sessões. Muitas vezes, quem paga é a carteira, porque se pensa que o que precisamos é de mais material, de melhor material, ou simplesmente de material igual ao do fotografo que gostaríamos de ser. Eu, por outro lado, partilho da opinião de Ward e acho que a fotografia tem muito pouco a ver com o material. A câmara é apenas uma ferramenta ao serviço da minha visão, da minha sensibilidade e, no fim de tudo, da minha paixão.

Para que esta revelação seja assumida por nós é preciso parar e perceber para onde se quer ir, o que pretendemos que a nossa fotografia seja (seja esse desígnio grande ou pequeno) e que sentimento sonhamos inspirar nos outros (depois de nos tocar a nós próprios).

É precisamente nesse caminho que Ward pretende encarreirar as suas palavras no intuito de nos incitar a percorre-lo. A poucas páginas do início do livro escreve ele:

Na fotografia, o que precisa de cultivar em primeiro lugar e acima de tudo é a sua visão; precisa praticar como observar de forma verdadeira e não apenas olhar superficialmente à sua volta. É preciso concentração total nas suas redondezas“.

Através de parágrafos mais ou menos filosóficos, carregados de uma astúcia refinada e nunca pastosa, David vai abrindo os nossos olhos para uma outra forma de ver a fotografia e principalmente, a nossa fotografia. É portanto um livro fundamental não só para quem gosta de fotografia de paisagem natural, mas para qualquer interessado na arte fotográfica como um meio de expressão pessoal.

O livro é dividido em 6 capítulos distintos que têm em comum a matiz filosófica que já apresentei. O primeiro apresenta uma reflexão muito interessante sobre fotografia e realidade, enquanto o segundo pretende mostrar como o tempo é tão importante para a fotografia como para o ato de a fazer. O terceiro capítulo faz um estudo sobre diferentes abordagens à fotografia de paisagem. Os capítulos 4 e 6 apresentam de forma eloquente conceitos ligados à criatividade e perceção (talvez a secção mais filosófica). Por fim, o quinto capítulo fala um pouco da própria experiência de Ward e como da teoria se chega à prática.

Em jeito de resumo, e para os que quiserem ler apenas este parágrafo, há que deixar bem claro que isto não é um livro leve e superficial. Não é um livro para se ler uma vez nas férias de verão, nem tão pouco para se ir lendo 5 minutos de cada vez a caminho do trabalho. Este é um livro que merece horário nobre! É um condensado de ideias e filosofia, literatura e história da arte, e principalmente de fotografia no mais intimo do seu ser. E é um livro que o vai deixar a pensar. Muito. Pode até correr o risco de, no fim do livro, decidir nunca mais pegar numa câmara de novo. Mas a minha melhor aposta é que a sua fotografia nunca mais vai ser a mesma. E pela razão certa!

Nota: O livro está infelizmente esgotado há vários meses, diria até anos. Penso que está na calha um eBook atualizado, pois é essa a mensagem do David cada vez que lhe perguntam sobre o livro. Mas para os que querem folheá-lo – o que aconselho vivamente – procurem na internet nos sites de livros em segunda mão (amazon.co.uk e AbeBooks, por exemplo).

2 Comentários

  •    Responder

    Belo artigo puto Éle!

    Gostei imenso!

    Abc.

  •    Responder

    Excelente artigo. Muito interessante dares a tua opinião sobre livros que te marcaram.
    Do David Ward tenho o “Landscape Beyond” de 2008 que pelo que dizes é parecido, também pouco técnico e muito filosófico, com capítulos sobre a simplicidade, a ambiguidade e a beleza.
    Um abraço.

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