Perspectiva
Um blogue sobre fotografia, por Luís Afonso

Fotógrafos em Palco


Este fim-de-semana viajei até Manteigas com o simples intuito de participar no III Festival de Fotografia e Vídeo organizado pelo município local. O Imaginature, nome de baptismo do festival, pretende reunir, no coração da Serra da Estrela, pessoas que se interessam pela imagem construída à volta do ambiente natural, privilegiando a partilha de experiências e a apresentação do que de melhor se produz a nível nacional nesta área.

A organização fez-me o amável convite de, pela terceira vez consecutiva, levar um pouco da minha fotografia ao público ali presente, ao mesmo tempo que, na qualidade de formador do projecto Fotonature, estaria disponível para acompanhar quem se inscrevesse nas saídas de campo. A juntar a estes dois pontos há ainda o papel de membro do júri do concurso que acompanha o evento e que se constitui com um dos mais antigos existentes em Portugal. Afinal, são já 30 edições. Como podem perceber, a minha participação seria exigente e tinha tudo para ser verdadeiramente recompensadora.

E foi-o. Muito. A começar pelas brilhantes apresentações a que tive a honra de assistir.

Partilhar o palco com algum dos melhores nomes da fotografia em Portugal faz-nos sentir pequenos. Mas também nos faz ter orgulho do país onde vivemos, dos amigos que fazemos e dos locais que percorremos. Assistir às intervenções apaixonadas dos fotógrafos ali presentes ensina-nos muita coisa. Mostra-nos o que é a dedicação e a vontade em partilhar a beleza da realidade natural de um país que descobrimos não ser pequeno, ao mesmo tempo que nos faz desvendar espécies que julgamos raras, histórias impossíveis de contar ou lugares que pensamos não existir. Permite-nos olhar o mundo natural através da sensibilidade de outros e com isso juntar à nossa visão uma outra maneira de ver. E tudo isto constitui verdadeira revelação.

Pelo festival passaram inúmeras pessoas, todas com um elo em comum: uma paixão intensa pelo que fazem, espelhada na forma como o perseguem. Se tivesse de destacar uma mão cheia das intervenções a que assisti, cada uma com o seu motivo de interesse, começava pelo “País das Maravilhas” do Luís Quinta. O Luís é um caso de excepção no panorama português, verdadeiramente superlativo em todas as vertentes da fotografia de história natural. Da paisagem à vida selvagem, com um enfoque especial na vida marinha deste país à beira mar plantado, é um exímio contador de histórias, através de uma narrativa visual que sempre deixa de boca aberta quem tem a felicidade de encontrar as suas imagens numa revista, num livro ou num ecrã gigante de uma sala de cinema. Nesta sua apresentação, que marcou o primeiro dia do festival, definiu o leitmotiv para todo o fim-de-semana e fez-nos perceber que Portugal é uma grande nação no que à biodiversidade diz respeito. Um autêntico país de recordes naturais. Depois desta apresentação, nunca mais vou ter coragem de chamar ao meu país “pequeno”.

Ainda no primeiro dia destaco dois encontros subliminares: o documentário “Reino Maravilhoso” apresentado pelo Ricardo Guerreiro, coautor do filme em conjunto com o Luís Quinta, e o “Pit Stop” do Nuno Cabrita. Se no primeiro me encantou conhecer as histórias por detrás de uma narrativa que já conhecia, no segundo deslumbrou-me a coragem e a irreverência que o Nuno teve em levar a cabo um projecto verdadeiramente diferente, tanto na forma, como no conteúdo. A história das cegonhas que habitam os aterros sanitários do sul foi apresentada de forma soberba, onde se percebe o que é preciso fazer quando nos dedicamos de corpo e alma à perseguição de uma narrativa que teimamos em contar. A forma singular como estas imagens foram recolhidas e desenhadas constitui um duplo ensinamento para quem esteve naquela tarde em Manteigas.

No dia seguinte, mesmo antes da minha apresentação onde procurei fazer descobrir o Porto Santo, tivemos o privilégio de assistir a um resumo das histórias naturais vividas por um dos melhores fotógrafos de vida selvagem que conheço. Até tenho algum pudor em usar a palavra resumo, tal é a qualidade do trabalho produzido nos últimos 10 anos pelo Ricardo Lourenço. Dono de uma sensibilidade estética única e de uma forma de retratar o mundo animal verdadeiramente expressiva, as histórias contadas pelo Ricardo lembraram, a todos os presentes, que estes animais estão muitas vezes mais perto de nós do ponto vista emocional do que à partida se pode pensar. Quem assistiu ao “namoro” entre os mergulhões-de-crista, registado com sensibilidade pelo Ricardo, percebe bem o que quero dizer. Um autêntico bálsamo para os olhos e para a alma.

Finalmente, recordo ainda o desvendar do livro do João Cosme sobre uma das espécies mais emblemáticas da fauna nacional: o lobo ibérico. Há sempre uma carga emotiva na nossa relação com este bicho e é um privilégio ter alguém que durante vários anos se dedica a segui-lo para colocar em livro a sua história. Através das imagens que o João apresentou e vai apresentar já daqui a poucas semanas, vamos certamente descobrir muitos dos temas que constituem a história natural e rural do nosso país. A não perder.

Como é óbvio, as restantes apresentações da Tânia Araújo, do Hugo de Sousa, do meu amigo Nuno Luís, do Luís Quinta e dos outsiders José Conde e Vítor Baía, foram também verdadeiros momentos de revelação. Alguns deles bem didácticos e divertidos, como foi o que fez cancelar a saída de campo do nascer do sol de domingo: o Vítor raramente se engana e a chuva prevista apareceu em força durante todo o dia.

Tudo isto constitui razão mais do que suficiente para fazer sair de casa qualquer apaixonado pelo mundo natural e pela fotografia ligada a este universo apaixonante.

Arriscava-me ainda a dizer que devia ser motivo mais que perfeito para fazer sair de casa qualquer amante da fotografia, da biologia, da geomorfologia e de Portugal. E de qualquer pai que quisesse mostrar aos seus filhos que o mundo é muito maior do que a sala de estar lá de casa, do que a TV, a playstation ou o pátio da escola. Mas estranhamente, o auditório de Manteigas, brilhantemente decorado com motivos outonais, não estava cheio.

Neste país, infelizmente, estamos habituados a que eventos como este sejam ignorados, inclusive pelos destinatários a que se propõem. Custa-me dizê-lo, mas as pessoas são extremamente preguiçosas, algumas mal-agradecidas e outras talvez ignorantes. Não perceber que um evento desta natureza faz mais pela fotografia de cada um de nós do que mil visitas a uma loja cheia de gadgets é ter vistas curtas. E ter vistas curtas é de todo desaconselhado para quem quer evoluir na fotografia. Faltar a um evento onde estão dos melhores fotógrafos portugueses, acedido de forma gratuita e onde possibilita a troca de experiências com as referências do panorama nacional não faz sentido. Infelizmente, assistimos a esta realidade vezes demais para que isto passe em claro.

Alguns vão queixar-se que é longe, que não souberam a tempo, que estava a chover. Eu já fiz perto de 1000km em menos de 48h para ir fotografar uma lagoa no topo da Serra da Peneda, já passei várias manhãs a fotografar debaixo de temperaturas negativas e de chuva, já decidi sair de casa dois minutos após perceber que a natureza tinha algo para me oferecer. A diferença entre mim e as pessoas que ficaram em casa é apenas uma: amor. Quando se ama verdadeiramente o que se faz e porque se faz, é impossível ficar em casa e arranja-se sempre uma maneira para ir. Não há impossíveis para quem ama, especialmente quando é tão fácil ir passar um sábado ou um domingo a Manteigas.

Voltando ao início, este fim-de-semana foi verdadeiramente recompensador. Fez mais pela minha fotografia do que um post no Facebook com 1000 likes, do que a leitura de 5 artigos online sobre novo equipamento, do que a compra de um livro sobre técnica fotográfica. A partilha que se gerou entre todos os participantes, algo que só existe quando não estamos sozinhos, não tem preço e será algo que vou recordar para sempre no meu percurso fotográfico.

A todos os que estiveram presentes, bem hajam, como dizem na minha beira natal. Já estou em pulgas para vos reencontrar no próximo festival. A vocês e aos que ficaram em casa… Até Janeiro em Vouzela.

3 Comentários

  •    Responder

    Começa a ser complexo responder ou comentar o que escreves. 🙂 Não por discordar das tuas “missivas” mas por ser cada vez mais difícil aumentar a carga dramática (entenda-se, o interesse) que possa existir para além do que já escreves.
    Como sabes, estive presente no primeiro encontro em Manteigas onde, como é público, fiz algumas intervenções e registei com muito apreço a dedicação, o esforço e a paixão demonstrada a toda a plateia por parte dos intervenientes!
    Tive oportunidade ainda, ao ficar ao teu lado num dos jantares, de confirmar a forma como estás e o perfil que “encerras” numa lógica de fotografia de Natureza (e Vida Selvagem). Mantenho a alcunha que te dei de “estudioso” da fotografia e sublinho a parte que do estudo advém quando se entra nos registos que tão bem te caracterizam. Essa é a fonte de inspiração que muitos poderão ter – alguém que, com o amor de que falas, possa seguir os teus passos e, quem sabe, superar a tua lógica e a tua entrega. Essa será, acredita, a realização de um mestre – ter os seus “discípulos” a chegar mais longe…

    Forte abraço!

  •    Responder

    Mais um excelente artigo Luis! A minha desculpa foi ter ido sofrer na Arrábida numa corrida trail, mas com esta bela argumentação sobre a beleza deste festival certamente um dia lá irei

    •    Responder

      Não tens de pedir desculpa. A minha tristeza não era dirigida a pessoas que não podiam – por terem compromissos marcados -, mas sim às que podiam e ficaram em casa. Grande abraço, l.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.