Perspectiva
Um blogue sobre fotografia, por Luís Afonso

A minha objectiva é uma 56 ou 85mm?


“O quê?! Ainda há pouco me disseste que quando maior o “f”, menor a abertura. Agora estás a dizer-me que a minha 18-55 afinal é uma 29-88? E eu ainda estou a pagar por esta formação?!?!”

A vida de formador de fotografia não é fácil. O jargão fotográfico está cheio de “inconsistências” e para quem está a começar esta maravilhosa viagem, escolher um lugar à janela pode ser mesmo complicado. O importante é mesmo tentar perceber o porquê das coisas.

Hoje, vamos falar de objectivas, de ângulo de visão e de sensores. Ok, ainda está aí? Vamos então a isto…

Factor de Corte

Para começar, é importante percebermos que as câmaras digitais possuem sensores digitais de diferentes tamanhos. Por exemplo, a pequena Canon G9 X tem um sensor de 13,2×8,8mm, enquanto a sua irmã de entrada de gama no mundo dSLR (a 760D) tem um sensor com quase o triplo do tamanho: 22,3×14,9mm. As chamadas full-frame, como a Canon EOS 5D, tem um sensor digital do tamanho do “antigo” filme de 35mm, equivalente a 24x36mm, ou seja, sensivelmente 1,6 vezes maior do que o sensor APS-C da 760D.

Esta variação de formato é designada, na gíria, por factor de corte (em inglês: crop factor), sendo representada pela divisão entre o formato full-frame e o formato menor. Desta forma, se pretendermos calcular o factor de corte entre o sensor da 760D e da 5D, podemos fazê-lo da seguinte forma, utilizando o teorema de Pitágoras para obter a diagonal do sensor:

  1. Canon 5D / 35mm / Full-frame: 36² + 24² = d², a diagonal é √1872 = 43,27
  2. Canon 760D / APS-C: 22,3² + 14,9² = d², a diagonal é √719,3 = 26,82
  3. Factor de Corte: 43,27 ÷ 26,82 = 1,61

Como podemos ver, o factor de corte na Canon EOS 760D é de 1,61, geralmente arredondado para 1,6.

Distância Focal

Agora que já sabemos o que é o factor de corte e como se calcula, vamos ver que influência tem sobre as nossas objectivas. Para isso, precisamos de perceber o que é a distância focal.

A distância focal, em termos muito genéricos, representa a distância (em milímetros) entre o sensor digital o centro óptico da nossa objectiva quando esta está focada para o infinito. Esta distância focal determina o ângulo de visão, pois representa a extensão angular da cena capturada no sensor, medida na diagonal. Para perceber isto tudo, observe-se o esquema abaixo.

Relação entre distância focal e ângulo de visão.

Relação entre distância focal e ângulo de visão.

A distância focal, como podemos observar no esquema, tem relação directa com o ângulo visual da cena a fotografar. Maiores distâncias focais correspondem a maior ampliação (ângulo de visão menor), e vice-versa. As objectivas grande angular, com distâncias focais curtas, têm uma ampliação reduzida. As teleobjetivas com distâncias focais longas dispõem de ampliação elevada, pelo que podemos preencher o fotograma com objetos que se encontram mais afastados da câmara. Em resumo, com uma grande angular de 16mm “vemos mais” do que com uma 50mm e muito mais do que se tivermos uma 200mm, em que apenas uma pequena parte da cena poderá ser capturada. Na grande angular “vemos mais”, na teleobjectiva vemos “o longe, mais perto”.

Aproveito ainda esta oportunidade para esclarecer que ao alterarmos a distância focal só estamos a alterar o ângulo de visão da cena que pretendemos retratar, não existindo qualquer efeito sobre a perspectiva. Costuma dizer-se que as teleobjectivas “compressam” a perspectiva, mas isto não quer dizer que a mesma se altere quando, estando imóveis no mesmo local, alteramos a distância focal. Alterar a distância focal apenas amplia ou reduz aquilo que vemos da mesma cena, como se estivéssemos num tablet (iPad, por exemplo) a aumentar ou reduzir com gestos uma imagem já executada. Nada, em termos de perspectiva, se altera. Apenas vemos mais ou menos da mesma cena.

À medida que a distância focal aumenta, a porção da cena a retratar (e o ângulo de visão) diminui.

Zoom in: à medida que a distância focal aumenta, a porção da cena a retratar (e o ângulo de visão) diminui.

Factor de Corte vs Distância Focal

Vamos então entrar na parte confusa da questão. Por razões históricas, a distância focal inscrita nas objectivas que compramos diz respeito ao formato 35mm, o sistema de maior popularidade antes da chegada do digital. Quer isto dizer que o rectângulo que serve de base à projecção do ângulo de visão tem exactamente 36x24mm. Na altura do 35mm, toda a gente sabia qual o ângulo de visão proporcionado por uma objectiva 50mm (a que muitos assemelham ao campo de visão do olho humano) e era fácil a partir daí classificar as objectivas de acordo com a sua distância focal: grande angulares, standard, teleobjectivas, etc.

Devido ao elevado custo de produção e a algumas limitações técnicas, produzir sensores digitais do tamanho do formato 35mm revelou-se impraticável no início e as marcas optaram por equipar as suas câmaras com sensores de menor dimensão. Por forma a possibilitar uma transição entre o analógico e o digital que agradasse a todos e que não representasse uma ruptura completa, os fabricantes decidiram manter os encaixes das objectivas, permitindo que quem já tivesse objectivas do mundo analógico as conseguisse utilizar nas novas câmaras digitais. Foi exactamente o que me aconteceu quando comprei a minha Canon EOS 300D em 2004, ficando feliz por poder usar as objectivas que tinha da minha EOS 500N.

O “problema” estava no sensor da 300D (APS-C) que era mais pequeno do que o tamanho do filme. Havia um factor de corte de 1,6 fazendo com que o ângulo de visão da fotografia registada fosse menor, conforme mostra a figura abaixo.

Como o ângulo de visão da cena retratada se altera quando, usando a mesma distância focal, se altera o tamanho do sensor.

Como o ângulo de visão da cena retratada se altera quando, usando a mesma distância focal, se altera o tamanho do sensor.

O factor de corte dos sensores digitais mais pequenos do que full-frame (equivalente a 35mm) influenciam assim o ângulo de visão da cena que pretendemos fotografar, comportando-se como se estivéssemos a reduzir esse mesmo ângulo na medida exacta desse factor de corte. Desta forma, ao usarmos uma objectiva de 50mm na Canon EOS 300D iriamos obter um ângulo de visão equivalente a uma 80mm (50mm x 1,6) numa câmara analógica de 35mm. Basicamente, é como pegar numa tesoura numa impressão a 36x24cm e cortar a mesma de forma concêntrica até medir 22,7×15,1cm. Ou seja, estamos a deitar fora uma área do círculo da objectiva que o sensor mais pequeno não consegue ver.

Para vos mostrar o que acabei de dizer fiz um exercício simples com as minhas Canon EOS 5D Mark III, com um sensor do tamanho do 35mm, e 7D Mark II, com um sensor APS-C com um factor de corte de 1,6.

Utilizando a mesma objectiva (Canon EF 24-105mm f/4L IS USM), coloquei as câmaras no tripé alternadamente e fiz uma mesma fotografia a 24mm com as mesmas definições de exposição.

Canon EOS 5D Mark III (24mm)

Canon EOS 5D Mark III, objectiva EF 24-105 a 24mm (clique para ver maior)

Canon EOS 7D Mark II (24mm)

Canon EOS 7D Mark II, objectiva EF 24-105 a 24mm (clique para ver maior). Com o factor de corte de 1,6x, a imagem apresentada é a equivalente a uma distância focal de 38,4mm.

Podemos facilmente ver que a 5D “vê mais”, na mesma distância focal de 24mm, do que a 7D Mark II. Na realidade, a 7D vê uma área 1,6 menor do que a 5D.

Isto quer dizer que a objectiva 24-105mm na 7D Mark II é equivalente a uma 38,4-168mm. Ou seja, ao montarmos a mesma objectiva numa câmara com um sensor menor do que o 35mm estamos, automaticamente, a reduzir o ângulo de visão da cena a fotografar: a reduzir em 1,6, o factor de corte.

Conclusão

Agora que já sabemos como o factor de corte influencia o ângulo de visão das nossas objectivas, o que devemos ter em conta antes de irmos às compras?

Se tivermos uma câmara full-frame, não há nada que enganar. Uma 50mm é uma 50mm e uma 24-105mm é isso mesmo. Se tivermos uma câmara equipada com um sensor mais pequeno do que 36x24mm então temos de aplicar o factor de corte para perceber qual a distância focal equivalente para esse sensor. Os factores de corte mais comuns são:

  • 1,5x: Nikon DX (D3300, D5500, D7200); Sony A6000; Samsung NX1; Fuji X (X-E2, X-T1, X-Pro1)
  • 1,6x: Canon APS-C (EOS 760D, EOS 70D, EOS 7D Mk II, EOS M3)
  • 2,0x: Micro 4/3 (Olympus OM-D; Panasonic DMC)

Mas através de uma procura na internet, é fácil descobrirmos o factor de corte das nossas câmaras.

Portanto, da próxima vez que for às compras e quiser comprar uma objectiva para retrato, por exemplo, lembre-se do factor de corte da sua máquina. Tendo em conta que a distância focal clássica para retrato é de 85mm, se calhar o que precisa de comprar, caso tenha uma Fuji X-T1, é uma 85mm/1,5=56,7mm. E está com sorte, pois a Fujifilm tem à sua disposição a fantástica FUJINON XF56mm F1.2 R.

Tal como a Fujifilm, também os restantes fabricantes tiveram que se adaptar a esta realidade e lançaram várias objectivas para cobrir nos formatos “cortados” as distâncias clássicas do 35mm. Tenha apenas em atenção que, nalgumas marcas, essas objectivas só funcionam nos formatos “cortados” como é o caso das objectivas EF-S da Canon ou DC da Sigma.

Espero que tenha ficado mais claro esta questão do chamado crop factor, factor de conversão ou, correctamente, factor de corte e como isto influencia as nossas objectivas. Fica desde já prometida uma parte 2 deste artigo onde vou analisar a aplicação das várias objectivas no contexto da fotografia que queremos fazer com elas e se vale a pena passarmos para full-frame ou se o APS-C chega perfeitamente. Se calhar, vamos descobrir que, nalgumas aplicações, gastar menos dinheiro numa APS-C compensa mesmo. Até lá, boas fotos!

Um comentário

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