Banco de Testes: LS Paper
No meu último artigo, sobre imprimir em casa, referi que uma das grandes recompensas é podermos escolher o papel que mais gostamos, ou o mais indicado para apresentar uma determinada imagem. Experimentar vários papeis, de diferentes gramagens e acabamentos, é uma experiência única para quem gosta de tornar física a arte da fotografia e constitui um dos passatempos mais regulares (e cativantes) de quem leva a impressão em casa “mais a sério”.
Neste artigo vou partilhar convosco a minha opinião sobre seis papéis comercializados pela empresa portuguesa LIS Sistemas, sediada em Leiria. A marca LS vigora, desde o início, no meu catálogo de impressões, pois o papel que escolhi para imprimir as minhas fotografias de tiragem limitada é o seu Radiant White 270g. Este papel, 100% algodão, produz, de modo consistente, resultados incríveis e, por essa razão, sempre tive curiosidade de conhecer a restante gama. O responsável comercial da LS teve a amabilidade de me enviar um pacote de amostras e é a experiência de uso desse papel que pretendo analisar convosco.
Mas antes de avançarmos, acho importante discutirmos um pouco este mundo do papel para reproduções fine-art usando impressoras de jato de tinta.
Tintas pigmentadas e papel de arquivo: uma história recente
Em 1991, o americano Jack Duganne (do laboratório Nash Editions) cunhou o termo “Giclée”, designando o primeiro processo de impressão digital “jato de tinta” dedicado à reprodução e edição de obras de arte. Giclée (diz-se “jiclê”) deriva do verbo francês “gicler” e pode ser traduzido como “esguicho”. Em termos de impressão, é utilizado para descrever uma impressão digital que combina tintas à base de pigmentos minerais com papel de arquivo com elevada longevidade. O objectivo final é sempre a obtenção de reproduções de elevada qualidade, com elevada resistência à luz e boa estabilidade química. Para conseguir tudo isto é fundamental que o papel seja produzido com materiais que não se alterem ao longo do tempo.
Em português, o termo correto será “Impressão com Tinta Pigmentada em Papel de Arquivo”. Mas isto não fica no ouvido de ninguém e por isso continuamos a chamar-lhes giclée ou fine-art prints, talvez o mais incorreto nome de todos, mas o mais difundido.
Tal como referi no meu artigo “Arte. Ou será impressão minha?” (de Dez/2015), não basta termos uma impressora jato de tinta, bom papel e uma obra de arte para imprimir para que a impressão seja considerada fine-art ou giclée. São precisos vários requisitos, que passam pela calibração dos equipamentos usados, pelo correto uso da tinta e do papel, pela utilização de perfis ICC, pelo processamento dos ficheiros digitais, para referir apenas os principais e sem entrar no campo do arquivo e emolduramento das impressões. Imprimir em fine-art é um processo muito mais complexo do que apenas clicar em “Ficheiro/Imprimir”.
Tipos de Papel
Já percebemos que, para que as nossas impressões durem anos (segundo extrapolações científicas, as combinações atuais de tinta e papel conseguem produzir impressões que durarão entre 100 e 200 anos em boas condições), a matéria prima e o processo de fabrico usados na produção do papel são fundamentais. Eu uso três tipos de papel, uns com maior capacidade de arquivo do que outros.
Papéis fotográficos RC
Os papéis revestidos a resina (Resin Coated) eram (e continuam a ser) tradicionalmente usados no processamento analógico, aptos a serem mergulhados em água. Com esse intuito, era adicionado um laminado em ambos os lados da folha para reduzir o tempo da “revelação”. Atualmente, os papéis para jato de tinta são compostos por uma base de alfa-celulose revestida na parte imprimível com uma película de polietileno (que empresta o tal carácter plástico ao papel). É natural que essa face seja mais brilhante e pegajosa ao toque. Essa película poder ser depois acabada com um revestimento micro-poroso, para aumentar a sua resistência. No caso dos papéis lustrosos da Epson e LS essa camada não é adicionada.
Estes papéis são dos mais usados na impressão de fotografias digitais, normalmente brilhantes ou semi-brilhantes e têm uma capacidade de arquivo estimada entre 20 e 40 anos. Como são os mais económicos e capazes de produzir excelentes resultados são os indicados para imprimir no dia-a-dia. Eu uso-os, por exemplo, para produzir as impressões das fotografias que “merecem” ser impressas, para as materializar no meu arquivo e para as visualizar naquilo que eu considero como sendo o seu propósito final.
Papéis Alfa-Celulose
A alfa-celulose (α-celulose) não é mais do que a base da pasta de madeira conseguida das árvores. Durante o processo de fabricação do papel, os blocos de α-celulose são refinados para lhes retirar os ácidos e a lenhina, possibilitando assim a criação de superfícies com qualidade de arquivo. A lenhina é um dos principais culpados pelo amarelecimento do papel, pelo que devemos ter atenção à sua ficha técnica, garantindo que esta substância não se encontra presente. Este tipo de papel é geralmente mais barato do que o papel feito à base de algodão e apresenta um toque mais homogéneo e uma boa resistência. Apresenta excelente durabilidade.
Papéis de Algodão
Os papéis à base de fibras de algodão (Cotton Rag) são os mais caros e apresentam uma longevidade inigualável. São normalmente os escolhidos para a reprodução de obras de arte, pois a sua textura, suave ao toque, emula na perfeição a aparência dos originais. Em fotografia produzem excelentes resultados, pois adicionam carácter e profundidade às imagens. São normalmente papéis mate (sem brilho), mas que podem ser revestidos com uma película brilhante (como por exemplo nalguns papéis da Hahnemulle como os PhotoRag) com maior ou menor textura e com um grau de claridade elevado. São capazes de reproduzir imagens bem definidas e com grande gradação de cor, ideais para imagens com cores vibrantes. É o papel que uso na produção das minhas séries de tiragem limitada. Em conjunto com a utilização de tintas de pigmentos minerais da minha Epson SC-P900 estão aptas a durar mais de 100 anos sem alteração.
Os 6 papéis da LIS Sistemas
Como já referi atrás, a LIS Sistemas é uma empresa sediada em Leiria que já por cá anda há mais de 25 anos. Começou por ser uma instituição dedicada à comercialização de Apple Macintosh, numa altura em que a marca apenas era conhecida na indústria gráfica e no sector do ensino, mas rapidamente estenderam a sua área de negócio aos equipamentos e materiais para impressão digital e prova de cor. Em 2006 lançam a sua própria marca de papel, a “LS Paper”, tornando-se numa referência no setor da fotografia e reprodução fine-art. Ainda que o grande público desconheça a marca, pois os seus papéis não estão disponíveis nos grandes canais de retalho, muitos laboratórios e fotógrafos de renome usam o seu papel há vários anos com excelentes resultados. Eu, por exemplo, tomei conhecimento do papel da marca através da Fineprint em Lisboa, uma das casas de referência a nível nacional.
Quem usa os papéis da LS, rapidamente vai perceber que a qualidade não está lá por acaso. Os mais atentos vão descobrir a sua proveniência, em especial da sua gama fine-art. Como confidencia Flávio Santos, responsável comercial da marca, o papel é produzido em colaboração com uma reputada empresa europeia, sediada na Alemanha. Para bom entendedor, meia palavra basta, em especial se os perfis ICC que podemos descarregar do site da LIS Sistemas às vezes nos apresentem nomes como “HFA_EpsSC-P8000_MK_GermEtching”…
A LIS Sistemas teve a amabilidade de me disponibilizar uma folha com um tamanho aproximado de A2 (cortada do seus rolos) de seis dos seus papéis de referência para reprodução fotográfica. De seguida vou apresentar a minha opinião, isenta, do que achei de cada um dos papéis, atendendo à minha própria sensibilidade e perspectiva de utilização dos mesmos.
Método de análise
Cada uma das folhas foi cortada, usando a minha cisalha A2, em quatro folhas A4. Em cada folha A4, de cada um dos papéis, imprimi a minha folha de teste (cortesia da Datacolor e que podem descarregar aqui) que foi depois fotografada sob luz natural (não direta), para se perceber a cor do papel, textura e reprodução das cores. A imagem foi impressa na minha Epson Surecolor P900, com tintas pigmentadas UltraChrome Pro 10 (10 tinteiros), utilizando os perfis ICC descarregados do site da LIS Sistemas para a EPSON P6000 que utiliza tinteiros semelhantes. As fotografias foram depois acertadas em Lightroom para sincronizar o equilíbrio de brancos de todas as fotos e assim poderem ser comparadas. Não foi feito qualquer outro ajuste.
LS Premium Luster 240g
Começamos por um dos meus favoritos de sempre. Há mais de 10 anos que o meu papel de eleição é o Epson Premium Luster 240g. Ambos são papéis RC, económicos, aptos a serem usados no dia-a-dia com excelentes resultados. Na Epson Surecolor P900, o D-max (densidade óptica que exprime o valor do preto mais profundo medido após a impressão) atingido é bastante elevado, um dos maiores em qualquer tipo de papel. Com um acabamento lustroso, que reflete pouco a luz (muito próximo do semi-brilhante, mas muito levemente texturado) e um tempo de secagem muito rápido, produz imagens com uma gama de cores alargada e bastante vibrantes.
Para ter a certeza que os resultados entre Epson e LS se mantinham consistentes, para além da página de teste resolvi imprimir uma das imagens que se encontram na caixinha da seleção das melhores de 2020 e que estou a oferecer a quem comprar uma das minhas impressões de edição limitada (à data só tenho dois conjuntos para oferecer). Os resultados, usando o perfil ICC da LS são ligeiramente melhores do que na EPSON, pois a imagem está exatamente igual à do monitor (na Epson está marginalmente mais escura, o que me obriga a dar um toque no contraste e no brilho antes da impressão). Com o papel da LS não preciso de qualquer ajuste no pós-processamento antes da impressão. O papel da LS tem mais brilho do que o da Epson e isso pode ser visto na imagem de comparação. No entanto, esse aumento é muito marginal quando visto na mão.
É sem dúvida a minha escolha para o dia-a-dia e vou juntá-lo ao rolo de papel Epson que tenho sempre em casa. Só tenho pena de não ser 260g como o que a Epson oferece em rolo (cortado, a Epson apenas oferece a versão de 240g), pois penso que o peso e o toque do 260 é perfeito, em especial quando o temos de entregar a clientes. Mas está encontrado um novo cavalo de batalha cá em casa e, a um preço quase 3x menor que o da concorrência, não há que enganar.
LS Baryta 300g
O termo barita refere-se a um revestimento de sulfato de bário que é aplicado ao papel fotográfico à base de fibras antes da aplicação das camadas de emulsão. Este químico permite que o papel exiba um maior grau de detalhe e uma amplitude tonal mais ampla. Para além disso, empresta ao papel excelentes propriedades de arquivo e estabilidade química.
As imagens impressas com este tipo de papel têm um acabamento acetinado bastante bonito, lembrado as impressões dos grandes mestres do passado. É por isso que muitos referem que o barita têm uma aparência clássica ou vintage. Os pretos & brancos são lindos, com um branco “cremoso” e pretos bastante profundos. Sempre foi um dos meus papéis favoritos, tendo usado no passado muitas vezes o Hahnemuhle Baryta FB.
O papel da LS é produzido à base de fibras naturais, 100% α-celulose e livre de ácidos. Tal como o Baryta FB da marca alemã… Por essa razão, estava muito curioso de o experimentar.
O papel tem um toque magnífico, com uma superfície aveludada e com um bom peso, ideal para trabalhos a serem entregues a clientes. Nota-se claramente um acabamento premium. A reprodução de cor, os gradientes, o preto & branco, são excelentes. A suavidade dos gradientes é fantástica e o nível de detalhe do outro mundo. A única coisa que não gostei foi da cor do papel que tinha uma tonalidade ligeiramente magenta/azul, certamente causada pela moderada presença de OBA (agentes branqueadores) e que elevam a 104% o grau de brancura do papel. Nada que não se corrija em pós-processamento, com uns toques no balanço de branco mais para o lado do amarelo. Mas eu vou mandar produzir um perfil ICC à medida e vamos ver se essa matiz desaparece.
Matt Cotton Smooth 300g
Depois dos papéis com revestimento acetinado chegam os mate. O primeiro que analisei foi o Cotton Smooth, com uma percentagem de brancura de 104%, produzido a partir de uma base de 100% de algodão, livre de qualquer ácido e, por essa razão, garantindo uma longevidade e capacidade de arquivo exemplares.
Este papel é muito especial, pois de todos os seis foi o que apresentou maior contraste, com pretos muito marcantes, cor saturadas, a lembrar um pouco o filme Velvia da Fujifilm. A nitidez da impressão é também notória. É um papel para usar em impressões de grande formato, com um “punch” que salta à vista.
Para mim não será um papel para ter em casa e usar regularmente, mas é um papel para ficar na memória e ser aplicado quando forem precisas impressões impactantes que tenham de ser expostas e arquivadas, beneficiando do facto de, mesmo sem brilho, conseguirem este nível de contraste e saturação. Foi também um papel que me ajudou a perceber que, contrariamente ao que pensava, prefiro papéis com um grau de brancura não tão elevado. Na realidade, o meu tipo de fotografia adequa-se bem a papéis ligeiramente mais quentes.
Photo White 270
O Photo White foi dos que menos me convenceu. Com um nível de brancura de 102% tem uma base bastante branca produzida a partir de α-celulose. A sua textura é suave ao toque, ligeiramente texturado e produz imagens bastante saturadas e contrastadas, ainda que em menos grau do que o anterior.
É um papel interessante, sem defeitos a apontar e até poderia constituir uma escolha de papel de arquivo mate, não fosse a existência dos dois que se seguem, que me impressionaram muito mais. Ideal para quem gosta de imagens bem definidas, com boa saturação e uma base branca bem marcada.
White Velvet 270
Este papel tem um base produzida com 25% de algodão e 75% de α-celulose. A suavidade ao toque é fabuloso (não é à toa que tem veludo no nome) e a sua textura maravilhosa. Fica aqui só entre nós, mas ninguém me tira da ideia que este papel e o German Etching daquela marca começada por H são a mesma coisa ou muito semelhantes. As imagens que produz mostram bem a alta resolução e a textura fina, muito suave, do papel. Cores saturadas, excelente micro-contraste, pretos profundos. Adoro a sua tonalidade mais amarela e se imprimisse a preto e branco em mate, seria este o papel que escolheria, sem qualquer hesitação. O tom que consegue obter, conjugado com a textura, são mesmo ao meu jeito.
Radiant White 270
Finalmente o meu favorito do lote e o papel que escolhi para imprimir as minhas séries limitadas. Fiquei muito feliz de, mesmo após ter experimentado as quatro opções de papel mate fine-art da LS, ter continuado a gostar mais do Radiant White. Obrigado ao mestre Nuno Soares da Fineprint pela descoberta.
Este papel é 100% algodão, com uma superfície ligeiramente texturada e muito suave ao toque. Com os seus 270g é um papel muito agradável de ter na mão. Respira qualidade e exclusividade. Como diz o meu amigo Ricardo Rocio, “dependendo do ângulo da incidência da luz no papel, pode até aparentar não ter textura”. E eu concordo com ele, é deveras um papel muito especial.
O seu grau de brancura desce até aos 91,5% o que me agrada bastante. Embora continue a ser muito branco, os tons de pele, por exemplo, ficam mais bonitos e os gradientes das minhas fotografias de paisagem também. A suavidade nos detalhes é algo que mais nenhum papel mate consegue. É fabuloso! O perfil ICC da LS pareceu produzir resultados menos bons dos que eu consigo com o perfil para o Epson Cotton Smooth Bright que sempre usei. Mas este vai ser mais um dos que vai ter perfil à medida cá em casa para garantir que a impressão fica mesmo perfeita.
Em resumo
A oferta de papel, para quem leva a impressão fotográfica a sério, da LIS Sistemas merece ser definitivamente conhecida. Para além de ser uma empresa portuguesa, produz papel de qualidade que não fica atrás de nenhuma marca de referência, constituindo uma opção muito válida para quem, como eu, imprime em casa. Com preços bastante competitivos, não tenho dúvida que será a opção mais acertada para muitos de nós.
Com uma panóplia de papéis RC, 100% algodão ou α-celulose, permite opções que garantem um grau de arquivo inigualável e uma qualidade de reprodução muito boa. O facto de não terem perfis ICC para as impressoras de consumo pode ser um handicap, mas se todos começarmos a inundar a LIS de encomendas talvez os consigamos convencer a produzir perfis para as boas impressoras A3+ e A2 que existem no mercado ou, inclusive, oferecer um serviço de construção de perfis à medida de forma gratuita para os seus papéis como faz, por exemplo, a Fotospeed. Unidos podemos fazer a força! Ainda assim, dos 6 perfis que usei para a irmã mais velha da minha SC-P900 (a SC-P6000), 4 deles produziram resultados perfeitos. Apenas o do Baryta e do Radiant produziram imagens que não me deixaram completamente satisfeitos e que vão precisar de perfil à medida.
A qualidade do papel que a LIS Sistemas me enviou é notória. Embora não tenha o mesmo “embrulho” das marcas de referência (a minha caixa de Radiant White é simplesmente branca, com um autocolante sóbrio, mas com bom gosto, com a indicação do papel), o que importa está lá. Eu já tenho as minhas escolhas, para juntar ao papel Epson que sempre usei. Agora, fico à espera de saber quais são as vossas.