Lugares secretos
A paisagem constitui, sem dúvida, o género fotográfico mais popular. Basta aceder a qualquer uma das comunidades nacionais ou internacionais de fotografia ou folhear uma revista da especialidade para percebermos isso. No site 500px, para dar um exemplo, se contemplarmos as fotos mais populares (http://500px.com/popular), invariavelmente estarão no topo várias fotografias de paisagem. Hoje, na hora em que escrevo este texto, das 20 fotografias mais populares, 15 são da categoria “Paisagem” e as restantes são todas da categoria “Pessoas”.
Há uma ligação muito forte entre o Homem e o mundo natural e os retratos desse universo sempre ocuparam um lugar muito importante no imaginário de cada um de nós. A diversidade, mistério e beleza existente no mundo à nossa volta interessa a todos, fotógrafos ou não, e não é difícil perceber porque é que as imagens dos postais que nos habituamos a ter na mão desde pequenos exercem uma influência tão grande sobre a nossa psique.
Por tudo isto, não é de estranhar que a cultura do local e a sua veneração seja algo tão presente entre aqueles que fotografam a paisagem. Do mais recente iniciado ao amador/profissional mais experimentado.
O meu objectivo neste artigo, não é filosofar sobre esta questão. Como alguns sabem, muito mais do que um meio para retratar de forma elevada um lugar, penso que a fotografia – incluindo a de paisagem – deve servir um propósito maior do que servir apenas de uma janela estática para o mundo. Mas sobre isso havemos de falar noutra altura.
Sendo que o elemento “local” está cada vez mais no centro do processo fotográfico de cada fotógrafo de paisagem, é razoável dizer que muito do tempo ocupado pelo fotógrafo quando não está a fotografar resida em descobrir e estudar… locais. Sejam locais novos para fotografar, sejam lugares icónicos onde se quer voltar, sejam sítios presentes nas fotografias de outros parceiros que cativam pela sua beleza ou por alguma característica que desperta a curiosidade de quem fotografa. “Location scouting”, como dizem os nossos amigos anglo-saxónicos, é uma actividade a que todos se entregam de forma mais ou menos apaixonada.
A forma mais simples e mais recorrente de se encontrar um lugar é vê-lo retratado na fotografia de outra pessoa. As mensagens frequentes que recebo a perguntar onde determinada fotografia foi efectuada é prova máxima dessa realidade. Seja porque a fotografia nos prendeu o olhar, seja porque nela existe algum elemento que nos interessa, é vulgar termos interesse em saber onde determinada fotografia foi feita para que a nossa lista de possíveis lugares a fotografar seja engrossada. Tal como esta curiosidade se coloca a qualquer pessoa que folheia uma revista de viagens ou um livro sobre destinos naturais, também o fotógrafo que faz do retrato do mundo natural a sua paixão procura satisfazer a sua ânsia de conhecimento. Isto é perfeitamente natural e razoável.
Ainda esta semana vi dois exemplos na rede social mais famosa do planeta que me fizeram pensar e escrever esta reflexão. Uma das pessoas, fotógrafo amador que publica com regularidade, deu uma resposta vaga a uma pergunta pública (e directa) no seu perfil: “Onde foi feita esta fotografia?”. Outra, contactada por mensagem pessoal, escusou-se a referir o lugar, dizendo que depois enviava a informação, sem nunca o fazer. Isto são apenas dois exemplos que tomei conhecimento, mas estou certo que muitos mais ocorreram diariamente. Eu próprio já recebi respostas semelhantes e este modo de actuar é bem conhecido da comunidade fotográfica em Portugal.
Pensando um pouco sobre este tema e tentando encontrar uma razão para esta não divulgação da informação sobre o local onde determinada fotografia foi realizada, consigo chegar a duas ideias diferentes.
A primeira terá a ver com a fotografia em si e com o sentimento de pertença que o fotógrafo tem sobre a forma como retratou determinado lugar. Certamente sentirão que é errado que alguém se aproprie de algo da sua criação e terão pavor até que alguém ouse copiar a sua composição, ponto de vista, pedaço impresso da natureza que decidiu capturar. É como se cada imagem desse mesmo local fosse uma facada nas costas da sua fotografia, enfraquecendo-a e retirando-lhe o estatuto de estrela que ela merece.
Depois, há o endeusamento de alguns lugares e da suposta dificuldade que existe em lá chegar. Há uma corrente de fotógrafos para quem a fotografia de paisagem só “vale” se for realizada em locais de difícil acesso, onde seja preciso ser praticante de desportos radicais para lá poisar. Depois há que pernoitar no local, debaixo de condições atmosféricas duras e outras provações para finalmente fazer o clique. Tudo isto deve ser contado de forma dramática, com música cinemática a condizer. Se depois for preciso divulgar o lugar e afinal perceber que há uma dúzia de fotógrafos que também lá consegue chegar e até fazer fotos melhores, há todo um mito que se destrói.
A segunda razão, terá a ver com a necessidade de protecção do lugar em si. Há, certamente, lugares que necessitam de uma atenção especial ao grau de exposição que uma boa fotografia possa alcançar. Ainda me lembro de ir à praia da Adraga, fora da época balnear, e ser das únicas pessoas a pisar o seu extenso areal, agora desaparecido. Após a publicação de várias fotografias daquele local, de vários fotógrafos com maior ou menos projecção, não é difícil encontrar-se actualmente, nos minutos antes do pôr-do-sol, dezenas de fotógrafos com o tripé montado, prestes a captar a beleza do local. Como é óbvio, a praia da Adraga não é um lugar delicado que precise de atenção especial e o seu fácil acesso convida qualquer pessoa a visitá-la. Mas este exemplo mostra que a partilha de uma determinada localização pode ser prejudicial, no sentido da sua preservação.
Eu não fotografo em locais remotos, delicados ou de difícil acesso. Por essa razão, nunca tive qualquer problema em responder afirmativamente a todos os que me pediram informações sobre o local onde faço as minhas fotografias. Como alguns podem até confirmar, às vezes até chego a partilhar a melhor hora para os fotografar, o sítio onde deixar o carro ou as várias vistas que se podem vislumbrar. Estou preocupado que essas pessoas copiem as minhas fotos? Estou inquietado que as minhas fotos percam valor por causa disso? Deixa-me triste que outros fotógrafos consigam melhores resultados nos locais retratados por mim? A resposta a tudo isto é só uma: Não.
Acredito, convictamente, que é através da divulgação que se chama a atenção para a preservação. Não é mantendo um lugar secreto que se preserva. É divulgando-o, mostrando a sua beleza, incitando as entidades competentes a preservar esse lugar e chamar o público em geral para a necessidade de o fazer. Quanto maior for o número de pessoas a abraçar uma causa, um lugar, mais fácil será fazer com que esse mesmo lugar seja preservado e respeitado e mais força terá a sua existência. É isso que acontece nos países para quem o património natural é factor chave de desenvolvimento e identidade que contratam fotógrafos para documentar os locais, constituindo arquivo e divulgando pela população o que de melhor existe nesses países.
Quero deixar bem claro que tudo isto não quer dizer que não respeite a decisão de quem prefere não partilhar o local onde regista as suas fotografias de paisagem. Cada um é livre de usar a informação que tem como entender e este tema é tudo menos Preto no Branco. Eu, como formador, sofro da incansável vontade de partilhar aquilo que sei. O meu objectivo é inspirar e colocar os meus alunos – e amigos fotógrafos – a pensar sobre a sua fotografia e isso não é incompatível com dar-lhes toda a informação que precisam, incluindo o local onde coloquei as pernas do meu tripé nesta ou naquela foto.
Mais do que o lugar em si, é a forma única como todos fotógrafos o vêem e o retratam que me interessa. E isso, nem com três tripés a fotografar no mesmo local se perde. As três fotografias resultantes tenderão a ser únicas. E se não forem, algo falhou no percurso de quem está por detrás da câmara…