Perspectiva
Um blogue sobre fotografia, por Luís Afonso

Médio Formato em Marte


Naquela que foi a minha quinta visita ao Rio Tinto, decidi levar comigo a ferramenta ideal para captar o tipo de fotografia de paisagem que gosto de fazer: uma câmara de médio formato. A Fujifilm teve a amabilidade de me emprestar a GFX 50S II e é essa experiência que gostava de partilhar convosco.

Antes de começar, as necessárias declarações de intenções. O equipamento utilizado para captar estas imagens foi emprestado pela marca de quem sou embaixador. Os conteúdos, no entanto, são da minha inteira responsabilidade e reflectem aquilo que eu penso verdadeiramente sobre o produto e a marca.

Um rio de outro planeta

O Rio Tinto é um curso de água muito especial. Nasce perto de Nerva, na província espanhola de Huelva, e vai desaguar no Rio Odiel, 100 km mais a sul, já na Ria de Huelva, a escassos metros do oceano atlântico. A sua cor vermelha, presente logo à nascença, tem a sua origem na decomposição de minerais que contêm sulfetos de metais pesados e que podem ser ​​encontrados em depósitos ao longo do rio. Esses reservatórios são compostos, em grande parte, por rochas de pirita (dissulfeto de ferro) e calcopirita (sulfeto de cobre e ferro).

O seu ph extremamente ácido (entre 1,7 e 2,7) quase inviabiliza a presença de oxigénio e durante muitos anos pensou-se que nenhuma forma de vida pudesse ser encontrada naquelas águas. Recentemente, estudos revelaram a presença de alguns microorganismos, razão que levou a NASA a escolher este local para estudar possíveis semelhanças com o ambiente do planeta Marte. Esses microrganismos, adaptados a habitats extremos, são acidófilos e alimentam-me apenas dos minerais presentes na água do rio.

Fuji GFX 50S II, GF100-200mmF5.6 R LM OIS WR, 0,4s a f/8, ISO 200

A coloração do rio é assim totalmente natural e não proveniente de qualquer poluição ou da contaminação gerada pela industria de extração mineira presente ao longo de vários terrenos adjacentes ao rio. De notar que a pouca distância do local de nascimento do rio se encontra uma das maiores minas a céu aberto do mundo, a Corta Atalaya.

Em termos fotográficos, o Rio Tinto é uma fonte de inspiração e criatividade para qualquer autor que goste de ver para além do grande cenário. As cores, as texturas e as formas são ilimitadas, fazendo-nos crer que estamos efetivamente noutro planeta.

Indutor de criatividade

Nas primeiras vezes que estive no Rio Tinto, a excitação foi tanta que não me lembrei sequer de fazer qualquer enquadramento que mostrasse o contexto e o ambiente em que corre o rio, limitando-me apenas a pequenas cenas mais intimas, centradas na água ou nas margens coloridas do rio. Ao longo das várias visitas fui tentando fazer fotografias cada vez mais abertas, até que desta vez fiz questão de mostrar ambas as margens numa só fotografia.

Fuji GFX 50S II, GF100-200mmF5.6 R LM OIS WR + 1.4x, 1/8s a f/11, ISO 100

Para o Rio Tinto levei apenas duas objectivas: a GF100-200mmF5.6 R LM OIS WR (79-158mm na focal correspondente a 35mm) e a nova objectiva de kit GF35-70mmF4.5-5.6 WR (28-55mm). A maior parte das imagens foram realizadas com a teleobjectiva, na minha opinião, a escolha perfeita para fotografar neste local. Ainda assim, e como referi atrás, fiz questão de captar planos mais abertos, aproveitando também essa oportunidade para ver como se comporta uma objectiva que pesa apenas 390gr e que custa 500€ quando comprada em conjunto com o corpo.

Embora o sensor da 50S II seja exactamente o mesmo da 50S (CMOS retro-iluminado de 51,4 megapixels com uma tamanho de 43,8 x 32,9 mm, quase 2x superior ao full-frame), a presença do novo processador de imagem X-Processor 4 faz com que a câmara seja muito mais responsiva, fazendo com que o momento da captura seja tão natural como o que consigo na minha X-T4. O sistema de auto-foco com detecção de contraste de 117 pontos é muito mais rápido do que na primeira versão da 50S e consegue focar a GF35-70 em apenas 0,272 segundos.

Nova mas familiar

A sua utilização na mão, mesmo com a GF100-200 que faz o conjunto pesar pouco menos de 2 kg, é extremamente agradável e natural. Mesmo com uma nova máquina na mão, não tive qualquer problema de adaptação, especialmente porque a Fujifilm faz questão de manter botões e menus coerentes em todas as suas câmaras. Com as mesmas baterias da X-T4 (uma decisão acertada para tornar o corpo da máquina mais pequena e leve), pude fotografar durante um dia inteiro sem qualquer interrupção ligada ao equipamento.

Fuji GFX 50S II, GF100-200mmF5.6 R LM OIS WR, 20s a f/11, ISO 100

Ambas as objectivas são estabilizadas pelo que pude fotografar à mão sem qualquer problema, sem recorrer a ISOs superiores a 3200. Ao contrário da 50S, a mark II tem o corpo estabilizado, o que me permite descer o tempo de exposição em pelo menos 6 stops com segurança.

Outra das vantagens da 50S II em relação à primeira iteração é a presença da última implementação da funcionalidade de múltipla exposição, algo que gosto de usar e que atualmente me permite juntar até 9 capturas na mesma fotografia.

Fuji GFX 50S II, GF100-200mmF5.6 R LM OIS WR, 1/4s a f/11, ISO 1000 (Dupla exposição captada à mão)

Na realidade, a GFX50S II tem tudo aquilo que eu podia querer para fotografar paisagem e o único senão foi mesmo ter de a devolver no final. Fiquei mesmo com a certeza que esta será a minha câmara num futuro próximo, para complementar o sistema X que me permite outro tipo de fotografia de ação ou aventura (vida selvagem ou quando preciso ainda de mais portabilidade). A Fujifilm lançou esta câmara com a “tagline” “mais do que full-frame” e na realidade, na minha opinião, faz pouco sentido, em fotografia de paisagem, comprar uma full-frame topo de gama neste momento quando se tem acesso a uma médio formato pelo mesmo preço. Se fizerem as contas entre, por exemplo, a Canon EOS R5 e a GFX50S II certamente vão ficar surpresos. E a oferta da Fujifilm não ganha apenas na resolução. O sensor da Fujifilm tem outras vantagens que não se esgotam em mais megapixels. Gama dinâmica, gama tonal, qualidade em ISOs elevados, detalhe e uma habilidade em gerar bokehs lindíssimos são apenas alguns dos destaques. Mais uma vez, estou a falar de fotografia de paisagem (ou produto e retrato, todos tipos de fotografia adequados ao médio formato). A câmara da Canon será uma melhor opção para quem quer fazer fotografia de acção, por exemplo.

Cumprindo as expectativas

Quando cheguei a casa foi altura de analisar os resultados. A experiência de campo foi boa, mas queria ver se o que vi no terreno se conseguiria materializar no computador e na impressão.

Uma das primeiras coisas que notei (e que já tinha percebido de forma superficial no terreno) foi a diferença de profundidade de campo entre este sensor e os que já usei. Se no sistema X estou habituado a usar entre f/8 e f/13 para garantir uma boa profundidade de campo (o suficiente para ter quase tudo nítido na imagem), na GFX tenho de chegar aos f/16 ou superior. Acho que finalmente percebi porque os mestre da paisagem usavam f/64… Falta de experiência, claro está! Ainda assim, o visor electrónico da GFX é tão preciso que no terreno dei logo por isso e foram várias as situações onde fiz duas capturas com diferentes planos de foco para depois juntar no pós-processamento.

Fuji GFX 50S II, GF100-200mmF5.6 R LM OIS WR, 3s a f/11, ISO 100
 

Outra vantagem de usar esta câmara para fazer este tipo de fotografia de paisagem é realmente a sua resolução. Ter disponível um ficheiro de 8256×6192 dá realmente muita margem de manobra. Se no terreno não conseguimos chegar o suficientemente perto podemos sempre fazê-lo em casa, desde que se tenha isso em mente no momento da captura e se coloque o enquadramento final no centro da imagem.

Fuji GFX 50S II, GF100-200mmF5.6 R LM OIS WR, 1/20 a f/8, ISO 1600

Na imagem acima, embora tenha aproveitado apenas 41% da captura original, consegui obter um ficheiro com a resolução suficiente para uma boa impressão A4. Como é óbvio, isto é um corte radical, mas que atesta a flexibilidade de se usar um sensor capaz de produzir esta resolução. E se tivermos em conta que a câmara consegue produzir um ficheiro de 200 megapixels através da função “Pixel Shift Multi-Shot” então essa flexibilidade ganha novos contornos.

A reprodução tonal e o detalhe conseguido pela GFX 50S II são absolutamente fantásticos. A Fujifilm tem mesmo uma ciência de cor que a mim me apaixona e o equilíbrio de brancos automático da câmara, à semelhança das que uso no sistema X, é mesmo do melhor que já alguma vez usei. Para terem uma ideia, antes de usar Fujifilm a primeira coisa que fazia no Lightroom era colocar o EB no automático e ajustar a partir daí, mas agora, sempre que o faço, volto para trás, pois prefiro quase sempre o que a câmara captou originalmente.

Em termos de qualidade óptica, nada a apontar a ambas as objectivas. Se a GF100-200 é um dos melhores zooms existentes no mercado (com um preço a condizer, 1995€), a GF35-70 não lhe fica muito atrás, produzindo bons resultados, em especial no centro da imagem. Usada a f/16 e f/22 os cantos apresentam também uma definição muito boa. É realmente um excelente achado quando comprada ao preço de conjunto e não haverá melhor relação qualidade-preço no sistema GFX. A sua leveza e a qualidade de construção são pontos a registar, se bem que eu sinto sempre falta do anel de abertura que tanto me habituei a usar na Fujifilm. Mas atendendo a que a opção mais próxima (GF32-64) custa 5x mais (2495€) acho que vou mesmo passar sem esse anel quando me decidir a comprar a GFX 50S II.

Fuji GFX 50S II, GF35-70mmF4.5-5.6 WR, 0,8s a f/16, ISO 100

Na próxima vez que voltar ao Rio Tinto talvez regresse com o sistema X ou, quem sabe, com a nova GFX 50S II. Neste momento tenho à venda a minha X-H1 e se a conseguir vender talvez essa realidade esteja mais perto. Até lá fica a memória deste encontro feliz. Se por acaso se sentirem tentados em também querer experimentar algo mais do que o full-frame, a culpa é do Rio Tinto, certamente. Até breve!

Portfólio Rio Tinto com GFX

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